Algumas bebidas, alcoólicas ou não, têm formulas tão secretas que ninguém as conhece por inteiro, somente partes. Juntá-las na hora certa deve ser uma operação quase militar. A Angostura, uma bebida amarga, aromática e aparentemente inofensiva que entra no preparo de coquetéis clássicos e em várias receitas de cozinha é uma dessas. Embora um bitter, não é daqueles convencionais para se tomar em copos longos com gelo e soda. Ao contrário, seu uso é limitado a algumas gotas para adicionar aroma e sabor em drinks, frutos do mar, saladas de frutas, sobremesas e pâtisserie em geral. O que faz a Angostura tão importante para merecer tanto cuidado é o fato de ser um produto sem similar e elaborado com fórmula secreta em um único lugar.
Quanto à sua composição, o rótulo menciona vagamente ser "uma preparação aromática de água, álcool, genciana e extratos vegetais inofensivos para dar sabor e cor ao produto", ou seja, não esclarece nada. Todo bar que se preze, em qualquer parte do mundo, deve ter pelo menos uma garrafinha dessas em estoque. Parecida com as de molho inglês, elas vêm embrulhadas em papel branco impresso em letras pretas miúdas com diversas sugestões para seu uso, que incluem além das óbvias na preparação de drinks, servir também para a cura da flatulência. Longe de ser brincadeira, essa referência medicinal, entre outras, vem da origem da sua criação em 1824 na Venezuela pelo médico alemão Dr. Johann Gottlieb Benjamim Siegert e mantida por razões históricas.
Nessa época o Dr. Siegert era o cirurgião responsável pelo hospital militar do General Simon Bolívar. Lá, os valentes soldados se queixavam muito de cólicas estomacais. Após quatro anos de experiências, o médico desenvolveu um tônico mágico, um fermentado de ervas e raízes tropicais, cascas, água e álcool que pareceu resolver o problema. Ele o chamou de Amargo Aromático Angostura em homenagem à cidade de Angostura, hoje Ciudad Bolívar. Siegert morreu em 1870, mas não antes de partilhar a fórmula secreta com seus filhos. Devido ao clima político instável no país, os irmãos se transferiram para Port-of-Spain em Trinidad, onde a fábrica permanece até hoje. Depois de várias mudanças no controle acionário, porém sempre com a participação dos descendentes diretos do velho cirurgião militar, a empresa tornou-se publica em 1981.
Embora permitindo tours guiados, os visitantes que percorrem as bem guardadas instalações da fábrica somente têm acesso ao laboratório, à sala de troféus, parte da destilaria e seção de engarrafamento. O laboratório é o local em que as ervas, raízes e especiarias são maceradas com álcool. Praticamente todos os ingredientes vêm de lugar ignorado pelos funcionários e quando chegam são identificados por códigos. Depois da maceração, a solução é destilada, misturada com açúcar e colocada em tanques de aço inoxidável para maturar por tempo não revelado. No final, a mistura é colocada em outro conjunto de tanques, diluída com água, engarrafada, rotulada e despachada para todas as partes do mundo. O final do tour é a sala de degustação, onde os visitantes são convidados a provar seus produtos. Durante a prova, na sala intensamente perfumada pela Angostura e com toda aquela atmosfera de mistério que cercou a visita, provavelmente as pessoas devem achar que é melhor mesmo que certos segredos fiquem mantidos para sempre.